Meu resumo da novela
(Giliard Gomes Tenório é rubronegro, jornalista e doutorando em Ciência Política pelo IESP-UERJ)
“O combinado não sai caro”, diz a sabedoria popular. Thiago Neves chega ao Flamengo em janeiro de 2011 por meio de empréstimo junto ao Al Hilal, mas tendo o rubro-negro comprado 10% dos direitos federativos do atleta e definido cláusula para a aquisição do percentual restante. Valores, prazo e forma de pagamento já estavam acertados.
Tendo como possíveis trunfos o bom ano de Thiago Neves com o manto rubro-negro, em sua manifesta vontade de ficar e nas promessas de seu procurador, Léo Rabello, o Flamengo deixa de lado o acerto com o Al Hilal e refaz a proposta, com valores inferiores e um prazo de pagamento maior. Mais do que isso, assina um pré-contrato com o jogador, o que “inviabilizaria” as tentativas de qualquer outro clube brasileiro em contratar o atleta. Os árabes seriam obrigados a negociar com o Flamengo, que se veria numa situação favorável para impor suas condições.
Com o passar dos dias, nota-se como o “golpe de mestre” do Flamengo parece não funcionar. Os flamenguistas mais experimentados já começam a perceber, ainda que intimamente, os grandes riscos de o negócio não sair. Ainda que previsível, ninguém poderia imaginar que o vindouro fracasso vestiria trajes de fiasco estrondoso, afundando mais e mais o clube numa crise paralisante.
Culpa de quem?
Avaliar a situação exige prudência e bom senso. Sendo assim, é correto entender que a malandragem expressa na nova estratégia de contratação do jogador tem como pano de fundo a difícil realidade financeira do clube – que possui dívidas superiores a R$ 300 milhões, inferiores apenas a do rival de ocasião, Fluminense. Contudo, seria hipocrisia não reconhecer os erros da diretoria.
O caso evidencia os problemas da atual cadeia de comando no Flamengo. Não há um vice de futebol, apenas um profissional atuando como gerente, o ex-presidente do clube Luís Augusto Veloso. Ainda assim, as tratativas por Thiago Neves foram assumidas por um outro dirigente: o vice de finanças, Michel Levy. Dono da “chave do cofre”, esta eminência parda tem assumido todas as negociações e respondido pela maioria das questões. Sua presença não só é maior que a da presidenta, Patrícia Amorim, como é autorizada por esta, resultado do acordo que permitiu a eleição da mesma.
Foi Michel Levy quem contratou o zagueiro Alex Silva, e que demorou mais de seis meses para pagar as luvas do mesmo. Foi Michel Levy o responsável pelas tratativas com a Traffic, que têm como resultado as indefinições quanto ao pagamento dos salários de Ronaldinho Gaúcho. Foi Michel Levy o responsável pela proposta “inapropriada” por Vagner Love. Foi Michel Levy que chamou de “marqueteiros” os jogadores que reclamavam de atrasos no pagamento das gratificações. Hoje, a crise vivida pelo Flamengo é obra de Michel Levy e, evidentemente, da série de acordos que definem a estrutura hierárquica no clube, alcançando deste modo Patrícia Amorim.
Ih, qualé?! E o Thiago Neves? E o Fluminense?
Tá bem! Não tem santinho nenhum nessa história. E inclua-se o Al Hilal entre os responsáveis. Se houve acerto entre Fluminense e Thiago Neves, este ocorreu pela intermediação de um agente boliviano, Luiz González, autorizados pelos árabes a negociar o atleta com outros clubes, e que no caso ignorou a presença do procurador do jogador, Léo Rabelo. Aqui encontra-se o primeiro erro de Thiago Neves. Em imbróglios como este, a transparência é sempre um ponto a favor. No entanto, o atleta preferiu mentir ao próprio empresário, negando a ele as tratativas com o Tricolor das Laranjeiras. Acordos às escondidas nunca parecem corretos. Impossível não recordar do pré-contrato que o meia assinou com o Palmeiras em 2007, e do tumulto que isso causou na época. Erros que se repetem.
A mesma falta de transparência determina o segundo erro de Thiago Neves, desta vez contra a instituição Flamengo e sua fanática torcida. É dos rubro-negros que se deve esperar as principais reações ao caso. Isso porque, apesar do histórico conturbado, a Nação o acolheu de braços abertos e reconheceu seus méritos vestindo o Manto Sagrado. Trocar a Gávea pelas Laranjeiras sem sequer um pronunciamento oficial, mesmo para dar a [coerente] justificativa do fracasso das negociações e a necessidade de jogar futebol, é algo que não passará em brancas nuvens.
Finalmente, o Fluminense. O respeito filial e fraterno com os tricolores não pode impedir críticas, desde que justas. Sendo assim, é necessário lembrar que o clube tem em seu histórico outras ocasiões nas quais atravessou negociações. Que o diga o Botafogo, que vê isso ocorrer repetidamente. No caso Thiago Neves, o time das Laranjeiras afirmou oficialmente que só negociaria com o jogador após o encerramento das tratativas do Flamengo. Como se vê, não foi isso o que aconteceu. A pergunta que fica é: se o clube conduziu de forma ética o negócio, por que não tratar diretamente com o procurador do atleta, como o fez das outras vezes?
Assim como o Flamengo, o modo de agir do Fluminense também é reflexo de sua própria organização. Thiago Neves é hoje atleta tricolor não porque este clube é mais estruturado do que o rubro-negro, mas devido à atuação de sua parceira, a Unimed, que bancou esta negociação e ano após ano concretiza todos os sonhos de consumo dos dirigentes, seja para reforçar o time, seja para provocar os rivais – a novela em questão reúne ambos os fatores. Seria bobagem negar que o presidente daquela empresa é, antes de tudo, um torcedor.
Nos Fla-Flu’s é um ‘ai Jesus!’
Encerrada esta novela, o Flamengo tem outras questões a se preocupar. Na terça, o clube afastou o zagueiro Alex Silva. Durante a semana, a permanência de Ronaldinho Gaúcho ainda era dúvida. Dentro de campo, a direção deve cuidar para não desmotivar o restante do elenco, bem como reforçar o plantel.
Mesmo faltando zagueiros e um atacante de velocidade, o elenco rubro-negro é bom. Os recursos para a contratação de Thiago Neves podem agora ser direcionados para outro atleta, como Vagner Love. O time é experiente o suficiente para se recuperar, como o fez em 2009, ano do mais recente título brasileiro. Se evitar cometer novos erros, a torcida irá mais uma vez apoiar a equipe. Vale lembrar que, no início de 2011, quem vivia sobre crise era o Corinthians, que terminou o ano como campeão nacional.
Além do que, não há mal que uma outra vitória sobre o Fluminense não cure! [dentro de campo, onde importa!]
Saudações rubro-negras!