terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Pra que serve religião mesmo?






Esta é uma pergunta difícil, muita gente escolhe sua religião por tradição. Assim como ter identidade ou time de futebol, todo mundo tem, tenho que ter também. Ultimamente muitos estão tendo que fazer essa reflexão, a moda hoje é não ter religião. No blog Nova Semente encontrei um post muito relevante dentro dessa discussão, gostei e compartilho aqui no blog. Não conheço o autor, só sei que o texto é pertinente. A proposito, essa comunidade tem algo diferente!!!



Marco Aurélio Brasil do blog: Nova Semente.*


Toda vez que encontro uma pessoa em situação difícil na rua, maltrapilha e com aquele característico olhar humilhado, e tenho a reação automática de fingir que não vi ou dizer um “não” o mais duro e irrecorrível possível, embora tenha o bolso cheio de moedas, me pergunto na seqüência, imediatamente: para quê serve minha religião?

Há pelo menos duas formas de responder a essa pergunta: a mais comum hoje em dia é dizer que religião serve para a gente se sentir bem, ter paz, botar a cabeça no lugar. Nesse nosso tempo individualista tudo deve ser utilitário, deve trazer benesses palpáveis para a pessoa. A religião, portanto, seria uma coisa a serviço da pessoa. Atingindo seu fim, tanto faz qual seja ela.

Mas há a outra resposta, que, de tão complexa, só posso aqui rascunhar uma de suas facetas. Religião é um instrumento de transformação. Religião, a religião genuína de Cristo, toma sua escala de valores natural e vira de cabeça para baixo. Toma seus gostos e preferências e muda de lugar. Radicalmente. Religião, ou melhor, cristianismo, empurra você, o molda, formata, faz com que você reproduza (aos poucos ou aos muitos, cada caso é um caso) o caráter dAquele a Quem você passou a contemplar longamente. Assim, o cristianismo, se vivido de fato, não serve como um refresco ou como uma espécie de terapia, pra você tocar sua vida normalmente, perseguindo os mesmos sonhos e tendo as mesmas atitudes nas situações inesperadas da vida.


Em Mateus 23:23, Jesus faz uma declaração lapidar: “Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! porque dais o dízimo da hortelã, do endro e do cominho, e tendes omitido o que há de mais importante na lei, a saber, a justiça, a misericórdia e a fé; estas coisas, porém, devíeis fazer, sem omitir aquelas”. Extremamente pedagógico, esse texto. Jesus ensina que religião não é uma coisa baseada em: “faça isto e isto, participe deste e deste rito, abstenha-se de comer ou fazer isto e aquilo e pronto, viva feliz, se achando santo e digno”. Religião é tudo isso como resposta ao “que há de mais importante na lei, a saber, a justiça, a misericórdia e a fé”. Umas coisas, sem prescindir das outras. Mas o que é mais importante vem primeiro.

Pra quê serve minha religião se ela não me molda à imagem e semelhança dAquele a Quem adoro? Se meus gestos automáticos continuam sendo egoístas? Se o sofrimento alheio continua me sendo indiferente? Se minha atitude no momento em que surge a oportunidade de servir como Ele serviu muitas vezes é igualzinha à que eu tinha no tempo em que não O conhecia?


* Nova Semente é uma comunidade que tem por missão aceitar a realidade que nenhuma igreja pode atingir todos os tipos de pessoas com a mesma eficiência. No entanto, não podemos simplesmente ignorar o fato de que Deus criou seres humanos com diferentes características e anseios em sua busca espiritual. Por essa razão, é fundamental a utilização de metodologias, abordagens e estilos diferentes no intuito de comunicar o Evangelho Eterno a grupos distintos com eficácia e relevância. Com esse propósito em mente, a Nova Semente existe para levar nossa geração a uma experiência real com Deus

sábado, 10 de janeiro de 2015

Je ne suis pas Charlie..

Charge do Jornal Charlie Herbdo
retratando a ministra da justiça da Franç
a,Christiane Taubira
Bem pouco se conhece e bem pouco se entende essa questão muçulmana na França e na Europa. Estou vendo, nas redes sociais, muita gente apoiando os cartunista mortos, até os endeusando sem compreender essa questão direito, muita gente embarcando na barca da liberdade de expressão, sem ao menos, se dá conta de procurar saber mais sobre o caso. Claro que o atentado terrorista não tem justificativa, a morte de uma pessoa sempre nos diminui. A humanidade diminui diante da morte! A humanidade sempre perde com mortes!! Ninguém merece morrer, mesmo quem mata. 

Diante de tantas questões, achei um texto muito sério e capaz de explicar toda essa celeuma com o islamismo. Texto de um padre que é teólogo e historiador e conhece bem a situação da França atual. Ele nos fornece dados que muitos talvez não os conheçam. Suas reflexões nos ajudam a ver a complexidade deste anti-fenômeno com suas aplicações também à situação no Brasil. (RCL)
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Eu condeno os atentados em Paris, condeno todos os atentados e toda a violência, apesar de muitas vezes xingar e esbravejar no meio de discussões, sou da paz e me esforço para ter auto controle sobre minhas emoções…


Lembro da frase de John Donne: “A morte de cada homem diminui-me, pois faço parte da humanidade; eis porque nunca me pergunto por quem dobram os sinos: é por mim”. Não acho que nenhum dos cartunistas “mereceu” levar um tiro, ninguém o merece, acredito na mudança, na evolução, na conversão. Em momento nenhum, eu quis que os cartunistas da Charlie Hebdo morressem. Mas eu queria que eles evoluíssem, que mudassem… Ainda estou constrangido pelos atentados à verdade, à boa imprensa, à honestidade, que a revista Veja, a Globo e outros veículos da imprensa brasileira promoveram nesta última eleição.


A Charlie Hebdo é uma revista importante na França, fundada em 1970, é mais ou menos o que foi o Pasquim. Isso lá na França. 90% do mundo (eu inclusive) só foi conhecer a Charlie Hebdo em 2006, e já de uma forma bastante negativa: a revista republicou as charges do jornal dinamarquês Jyllands-Posten (identificado como “Liberal-Conservador”, ou seja, a direita europeia). E porque fez isso? Oficialmente, em nome da “Liberdade de Expressão”, mas tem mais…

O editor da revista na época era Philippe Val. O mesmo que escreveu um texto em 2000 chamando os palestinos (sim! O povo todo) de “não-civilizados” (o que gerou críticas da colega de revista Mona Chollet (críticas que foram resolvidas com a demissão sumaria dela). Ele ficou no comando até 2009, quando foi substituído por Stéphane Charbonnier, conhecido só como Charb. Foi sob o comando dele que a revista intensificou suas charges relacionadas ao Islã, ainda mais após o atentado que a revista sofreu em 2011…

A França tem 6,2 milhões de muçulmanos. São, na maioria, imigrantes das ex-colônias francesas. Esses muçulmanos não estão inseridos igualmente na sociedade francesa. A grande maioria é pobre, legada à condição de “cidadão de segunda classe”, vítimas de preconceitos e exclusões. Após os atentados do World Trade Center, a situação piorou.

Alguns chamam os cartunistas mortos de “heróis” ou de os “gigantes do humor politicamente incorreto”, outros muitos os chamam de “mártires da liberdade de expressão”. Vou colocar na conta do momento, da emoção. As charges polêmicas do Charlie Hebdo, como os comentários políticos de colunistas da Veja, são de péssimo gosto, mas isso não está em questão. O fato é que elas são perigosas, criminosas até, por dois motivos.

O primeiro é a intolerância. Na religião muçulmana, há um princípio que diz que o Profeta Maomé não pode ser retratado, de forma alguma. Esse é um preceito central da crença Islâmica, e desrespeitar isso desrespeita todos os muçulmanos. Fazendo um paralelo, é como se um pastor evangélico chutasse a imagem de Nossa Senhora para atacar os católicos…
Qual é o objetivo disso? O próprio Charb falou: “É preciso que o Islã esteja tão banalizado quanto o catolicismo”. “É preciso” porque? Para que?

Note que ele não está falando em atacar alguns indivíduos radicais, alguns pontos específicos da doutrina islâmica, ou o fanatismo religioso. O alvo é o Islã, por si só. Há décadas os culturalistas já falavam da tentativa de impor os valores ocidentais ao mundo todo. Atacar a cultura alheia sempre é um ato imperialista. Na época das primeiras publicações, diversas associações islâmicas se sentiram ofendidas e decidiram processar a revista. Os tribunais franceses, famosos há mais de um século pela xenofobia e intolerância (ver Caso Dreyfus), como o STF no Brasil, que foi parcial nas decisões nas últimas eleições e no julgar com dois pessoas e duas medidas caos de corrupção de políticos do PSDB ou do PT, deram ganho de causa para a revista.

Foi como um incentivo. E a Charlie Hebdo abraçou esse incentivo e intensificou as charges e textos contra o Islã e contra o cristianismo, se tem dúvidas, procure no Google e veja as publicações que eles fazem, não tenho coragem de publicá-las aqui…

Mas existe outro problema, ainda mais grave. A maneira como o jornal retratava os muçulmanos era sempre ofensiva. Os adeptos do Islã sempre estavam caracterizados por suas roupas típicas, e sempre portando armas ou fazendo alusões à violência, com trocadilhos infames com “matar” e “explodir”…). Alguns argumentam que o alvo era somente “os indivíduos radicais”, mas a partir do momento que somente esses indivíduos são mostrados, cria-se uma generalização. Nem sempre existe um signo claro que indique que aquele muçulmano é um desviante, já que na maioria dos casos é só o desviante que aparece. É como se fizéssemos no Brasil uma charge de um negro assaltante e disséssemos que ela não critica/estereotipa os negros, somente aqueles negros que assaltam…

E aí colocamos esse tipo de mensagem na sociedade francesa, com seus 10% de muçulmanos já marginalizados. O poeta satírico francês Jean de Santeul cunhou a frase: “Castigat ridendo mores” (costumes são corrigidos rindo-se deles). A piada tem esse poder. Mas piada são sempre preconceituosas, ela transmite e alimenta o preconceito. Se ela sempre retrata o árabe como terrorista, as pessoas começam a acreditar que todo árabe é terrorista. Se esse árabe terrorista dos quadrinhos se veste exatamente da mesma forma que seu vizinho muçulmano, a relação de identificação-projeção é criada mesmo que inconscientemente. Os quadrinhos, capas e textos da Charlie Hebdo promoviam a Islamofobia. Como toda população marginalizada, os muçulmanos franceses são alvo de ataques de grupos de extrema-direita. Esses ataques matam pessoas. Falar que “Com uma caneta eu não degolo ninguém”, como disse Charb, é hipócrita. Com uma caneta se prega o ódio que mata pessoas…

Uma das defesas comuns ao estilo do Charlie Hebdo é dizer que eles também criticavam católicos e judeus…
Se as outras religiões não reagiram a ofensa, isso é um problema delas. Ninguém é obrigado a ser ofendido calado.
“Mas isso é motivo para matarem os caras!?”. Não. Claro que não. Ninguém em sã consciência apoia os atentados. Os três atiradores representam o que há de pior na humanidade: gente incapaz de dialogar. Mas é fato que o atentado poderia ter sido evitado. Bastava que a justiça tivesse punido a Charlie Hebdo no primeiro excesso, assim como deveria/deve punir a Veja por suas mentiras. Traçasse uma linha dizendo: “Desse ponto vocês não devem passar”.

“Mas isso é censura”, alguém argumentará. E eu direi, sim, é censura. Um dos significados da palavra “Censura” é repreender. A censura já existe. Quando se decide que você não pode sair simplesmente inventando histórias caluniosas sobre outra pessoa, isso é censura. Quando se diz que determinados discursos fomentam o ódio e por isso devem ser evitados, como o racismo ou a homofobia, isso é censura. Ou mesmo situações mais banais: quando dizem que você não pode usar determinado personagem porque ele é propriedade de outra pessoa, isso também é censura. Nem toda censura é ruim…

Deixo claro que não estou defendendo a censura prévia, sempre burra. Não estou dizendo que deveria ter uma lista de palavras/situações que deveriam ser banidas do humor. Estou dizendo que cada caso deveria ser julgado. Excessos devem ser punidos. Não é “Não fale”. É “Fale, mas aguente as consequências”. E é melhor que as consequências venham na forma de processos judiciais do que de balas de fuzis ou bombas.

Voltando à França, hoje temos um país de luto. Porém, alguns urubus são mais espertos do que outros, e já começamos a ver no que o atentado vai dar. Em discurso, Marine Le Pen declarou: “a nação foi atacada, a nossa cultura, o nosso modo de vida. Foi a eles que a guerra foi declarada”. Essa fala mostra exatamente as raízes da islamofobia. Para os setores nacionalistas franceses (de direita, centro ou esquerda), é inadmissível que 10% da população do país não tenha interesse em seguir “o modo de vida francês”. Essa colônia, que não se mistura, que não abandona sua identidade, é extremamente incômoda. Contra isso, todo tipo de medida é tomada. Desde leis que proíbem imigrantes de expressar sua religião até… charges ridicularizando o estilo de vida dos muçulmanos! Muitos chargistas do mundo todo desenharam armas feitas com canetas para homenagear as vítimas. De longe, a homenagem parece válida. Quando chegam as notícias de que locais de culto islâmico na França foram atacados, um deles com granadas!, nessa madrugada, a coisa perde um pouco a beleza. É a resposta ao discurso de Le Pen, que pedia para a França declarar “guerra ao fundamentalismo” (mas que nos ouvidos dos xenófobos ecoa como “guerra aos muçulmanos”, e ela sabe disso).

Por isso tudo, apesar de lamentar e repudiar o ato bárbaro do atentado, eu não sou Charlie. Je ne suis pas Charlie.

Uma Fé Extraordinária - John Harper

                                                              John Harper, a esposa e filha - Google Fotos. No livro “The Titanic's Last...