PERCEY, Nancy R. e THAXTON, Charles B. A alma da ciência: fé cristã e filosofia natural. Trad. Susana Klassen do original The soul of science.
São Paulo: Cultura Cristã, 2005. 348 p.
A alma da ciência pode ser considerada como um passeio turístico sobre o processo histórico das pressuposições filosóficas por trás da pesquisa científica,a partir do Iluminismo. Os dois autores do livro, Nancy R. Percey e Charles B. Thaxton, são participantes ativos de um diálogo antigo e abrangente entre as comunidades científica e religiosa, que busca examinar a interação (ou afalta da mesma) entre os pressupostos científicos e teológicos. Percey é uma escritora renomada desde 1977, cujo interesse maior parece estar em assuntos relacionados ao desenvolvimento (ou fortalecimento) de uma cosmovisão cristã.
Ela estudou com Francis Schaeffer em L’Abri, na Suíça, e posteriormente fez o curso de mestrado no Seminário Teológico Covenant. Mais tarde ela continuou os seus estudos de pós-graduação nas áreas de história e filosofia no Instituto para Estudos Cristãos, em Toronto, no Canadá. Charles B. Thaxton, por sua vez, obteve os graus de bacharel e mestre em química na Universidade Tecnológica do Texas e mais tarde o grau de Ph.D. em química na Universidade Estadual de Iowa. Ele ainda realiza estudos de pós-doutorado nas áreas de biologia molecular e história e filosofia da ciência em duas importantíssimas universidades americanas: Brandeis e Harvard. Ambos os autores são altamente qualificados para escrever sobre o assunto e trabalham juntos no Discovery Institute (Instituto Descoberta), uma entidade cristã norte-americana.
O livro A alma da ciência faz parte de uma série maior sobre cosmovisão cristã, que vem sendo publicada pela Crossway Books nos últimos anos. O objetivo principal dessa série é abordar assuntos que apresentam aparentes dificuldades entre a fé cristã e os acontecimentos diários, especialmente como eles são apresentados pela mídia e a comunidade científica. Em seu livro, Piercey e Thaxton se esforçam para apresentar aos cristãos uma parte de sua rica herança intelectual. Nessa abordagem, eles procuram reconhecer mais prontamente a influência do cristianismo na ciência. Até a virada do século 19 para o século 20, o cristianismo era a influência intelectual predominante na maior parte das áreas da vida e da cultura no Ocidente (p. 10).
Somente após o surgimento do Iluminismo “é que a fé cristã perdeu sua influência mais expressiva como uma convicção pública e comum e retirou-se para a esfera da crença particular e individual” (p. 11). Quando isso aconteceu, as pessoas passaram a interpretar a fé cristã como um fator apenas pessoal e privativo, cuja vovência limita-se à adoração ou à luta individual contra a ansiedade interior. A fim de atingir o seu objetivo principal, os autores estruturam a sua obra em quatro partes. Na primeira delas eles fazem um esboço histórico do desenvolvimento intelectual europeu, especialmente em relação ao “avanço” científico, desde a Idade Média até o Iluminismo, ou seja, as raízes intelectuais das abordagens científicas modernas.A principal característica desse período é que as pressuposições metafísicas do cristianismo serviram como fundamento para as primeiras pesquisas científicas, bem como para a categorização do fenômeno natural. Essa categorização se fez possível porque o mundo era interpretado como um universo que seguia uma ordem estabelecida, criada por um Deus racional. Em outras culturas não-cristãs daquela época, o fenômeno natural era visto como sendo governado pelo capricho de várias divindades.
Isso explica a razão pela qual, em algumas culturas, certas manifestações da natureza como terremotos, enchentes e outras catástrofes não eram encaradas com a metodologia de análise do fenômeno, a formulação de hipóteses, a observação seguida pelo experimento, a interpretação dos dados e a formulação
de conclusões explicativas. A principal tese dos autores nesta primeira parte é que a condição intelectual necessária para a aplicação e prosperidade do método científico implicava na crença cristã em um único Deus imutável e fiel. Segundo esse argumento, “o monoteísmo da Bíblia exorcizou os deuses da natureza, libertando a humanidade para desfrutá-la e investigá-la sem medo. Somente quando o mundo deixou de ser um objeto de adoração é que pôde tornar-se um objeto de estudo” (p. 24). Contudo, apenas uma perspectiva monoteísta da divindade não garante o sucesso dos pressupostos da investigação científica. Para que se torne um objeto de estudo, o mundo deve ser considerado um lugar onde os acontecimentos ocorrem de modo confiável e regular – o que também foi um legado do Cristianismo. Enquanto o paganismo ensinava a existência de uma profusão de deuses imanentes, o Cristianismo ensinava a existência de um único Criador transcendente, cuja obra criativa é um universo unificado e coerente (p. 24). Assim, a idéia da ordem e coerência do fenômeno natural baseia-se não apenas na crença na existência de um Deus, mas também nos atributos e no caráter desse Deus. Somente o Deus fidedigno das Escrituras poderia proporcionar confiabilidade ao método científico moderno.
Na segunda parte do livro, os autores realizam um excelente trabalho ao abordarem a influência da filosofia grega sobre a cosmovisão cristã. Essa influência pode ser compreendida a partir de três escolas filosóficas: o aristotelismo (Aristóteles), o neoplatonismo (Plotino) e a tradição mecânica (Arquimedes). De acordo com essas tradições, o universo deveria ser analogamente interpretado. Primeiro ele deveria ser visto como um vasto organismo, arquitetado por uma Mente superior (p. 68-71). Em segundo lugar, o mundo foi comparado a um organismo imbuído com uma vida (ou alma), pois enquanto a tradição cristã aristotélica enfatizava a racionalidade de Deus, a tradição neoplatônica ressaltava o seu espírito que habitava no interior da matéria, trabalhando dentro dela e por meio dela (p. 71). A última analogia empregada foi a de uma gigantesca máquina, rejeitandose assim em absoluto a metáfora orgânica. O que impressionava os cientistas que trabalhavam dentro da tradição mecanicista era a regularidade, a permanência e a previsibilidade do universo. Deus era visto como o “Grande Engenheiro” (nas palavras de Mersenne), que havia criado o universo como um relógio gigante (p. 79).
Com o passar do tempo essas tradições filosóficas foram adotadas sincretisticamente por alguns cientistas, produzindo perspectivas híbridas. Newton é um bom exemplo dessa sistematização híbrida do método científico. Muitos dos grandes debates filosóficos durante o Iluminismo tiveram a sua origem na tentativa de conciliar as escolas filosóficas gregas com a perspectiva cristã teísta. Por exemplo, o fundamentalismo de Descartes gerou algumas das reações céticas de Hume, bem como a crise epistemológica expressada por Kant. O que permaneceu, porém, foi um abismo que exclui Deus das investigações naturais, pois se as leis da natureza são internamente consistentes e suficientes para a investigação científica, quem precisa de Deus? Qual é o espaço deixado para ele operar no cosmos? A existência ou não de Deus tornou-se uma questão
imaterial, pertinente ao campo da fé, uma vez que a base do conhecimento científico foi interpretada como que residindo nas leis fundamentais da natureza. Dessa forma, a tradição mecânica tornou-se sinônimo da epistemologia empírica, ou seja, todo o conhecimento tem a sua origem na experiência sensorial. As outras tradições de busca do conhecimento e da verdade passaram a ser identificadas com especulações religiosas ou filosóficas e foram relegadas ao campo do interesse individual, limitando-se assim a sua relevância.
As partes três e quatro ocupam o restante do livro. A primeira delas aborda a ascensão e a queda da matemática e a segunda trata de questões relacionadas à relatividade, teoria quântica e as pesquisas que envolvem o DNA. No momento em que os autores abordam as recentes descobertas em relação ao DNA,
eles abandonam momentaneamente o tom confiante apresentado enquanto escreviam sobre o desenvolvimento da história da ciência. Nesse momento, a obra assume aspectos de um livro-texto de ciências. O mais difícil é o capítulo sobre teoria quântica, pois há muita coisa sobre o assunto para ser coberta em tão pouco espaço e o leitor leigo pode ser tentado a fazer uma leitura dinâmica dessa parte. O que evita o desespero nesse capítulo são as ilustrações, bem aplicadas pelos autores.
O último capítulo do livro aborda a segunda revolução científica e revela uma tendência dos autores em favor da teoria do “projeto inteligente” da criação. Essa tendência, todavia, não se parece nem de perto com a tese defendida por William A. Dombski, em seu livro Inteligent design (Downers Grove: InterVarsity Press, 1999), através da qual ele reconhece um projeto inteligente na criação sem qualquer referência ao teísmo bíblico. No livro A alma da ciência, os autores utilizam as inúmeras informações encontradas nas pesquisas com o DNA como argumento apologético em prol da existência de Deus. Segundo os autores, A revolução do DNA confirma a convicção aristotélica de que a estrutura e o desenvolvimento orgânico podem ser atribuídos a um padrão ou plano interno inteligível – identificado, agora, como a mensagem codificada presente na molécula de DNA. Os criacionistas levam essa idéia ainda mais longe e argumentam que um padrão inteligível é prova de uma origem inteligente. A existência de moléculas que contêm informações tornou-se a base para uma nova versão da argumentação antiqüíssima em favor da criação propositada (p. 290). Dessa forma, a molécula se transformou em uma mensagem em prol da existência do Deus sábio e todo-poderoso. Concluindo, se o leitor estiver interessado em aprender mais sobre o desenvolvimento científico no Ocidente, bem como sobre os pressupostos filosóficos por detrás do mesmo, A alma da ciência é um livro excelente. Contudo, se estiver interessado em uma obra que procura reconciliar as complexas questões entre a fé cristã e a filosofia natural, ele provavelmente ficará decepcionado. O livro apresenta um excelente resumo das pressuposições científicas que têm desafiado os cristãos nos últimos 300 anos. A prática científica nunca ocorreu em um vácuo filosófico e religioso. Assim, os cristãos podem se manter firmes e não precisam se deixar intimidar por crerem na existência de uma realidade além dos “fatos cientificamente observáveis”.
Este livro auxilia não apenas os cristãos nos colégios e universidades, mas também os pais interessados em compreender melhor algumas falácias das reivindicações científicas, podendo com isso discipular os seus filhos com maior eficiência. Certamente ele deveria fazer parte da categoria de “livros de cabeceira”.
Na segunda parte do livro, os autores realizam um excelente trabalho ao abordarem a influência da filosofia grega sobre a cosmovisão cristã. Essa influência pode ser compreendida a partir de três escolas filosóficas: o aristotelismo (Aristóteles), o neoplatonismo (Plotino) e a tradição mecânica (Arquimedes). De acordo com essas tradições, o universo deveria ser analogamente interpretado. Primeiro ele deveria ser visto como um vasto organismo, arquitetado por uma Mente superior (p. 68-71). Em segundo lugar, o mundo foi comparado a um organismo imbuído com uma vida (ou alma), pois enquanto a tradição cristã aristotélica enfatizava a racionalidade de Deus, a tradição neoplatônica ressaltava o seu espírito que habitava no interior da matéria, trabalhando dentro dela e por meio dela (p. 71). A última analogia empregada foi a de uma gigantesca máquina, rejeitandose assim em absoluto a metáfora orgânica. O que impressionava os cientistas que trabalhavam dentro da tradição mecanicista era a regularidade, a permanência e a previsibilidade do universo. Deus era visto como o “Grande Engenheiro” (nas palavras de Mersenne), que havia criado o universo como um relógio gigante (p. 79).
Com o passar do tempo essas tradições filosóficas foram adotadas sincretisticamente por alguns cientistas, produzindo perspectivas híbridas. Newton é um bom exemplo dessa sistematização híbrida do método científico. Muitos dos grandes debates filosóficos durante o Iluminismo tiveram a sua origem na tentativa de conciliar as escolas filosóficas gregas com a perspectiva cristã teísta. Por exemplo, o fundamentalismo de Descartes gerou algumas das reações céticas de Hume, bem como a crise epistemológica expressada por Kant. O que permaneceu, porém, foi um abismo que exclui Deus das investigações naturais, pois se as leis da natureza são internamente consistentes e suficientes para a investigação científica, quem precisa de Deus? Qual é o espaço deixado para ele operar no cosmos? A existência ou não de Deus tornou-se uma questão
imaterial, pertinente ao campo da fé, uma vez que a base do conhecimento científico foi interpretada como que residindo nas leis fundamentais da natureza. Dessa forma, a tradição mecânica tornou-se sinônimo da epistemologia empírica, ou seja, todo o conhecimento tem a sua origem na experiência sensorial. As outras tradições de busca do conhecimento e da verdade passaram a ser identificadas com especulações religiosas ou filosóficas e foram relegadas ao campo do interesse individual, limitando-se assim a sua relevância.
A ALMA DA CIÊNCIA
As partes três e quatro ocupam o restante do livro. A primeira delas aborda a ascensão e a queda da matemática e a segunda trata de questões relacionadas à relatividade, teoria quântica e as pesquisas que envolvem o DNA. No momento em que os autores abordam as recentes descobertas em relação ao DNA,
eles abandonam momentaneamente o tom confiante apresentado enquanto escreviam sobre o desenvolvimento da história da ciência. Nesse momento, a obra assume aspectos de um livro-texto de ciências. O mais difícil é o capítulo sobre teoria quântica, pois há muita coisa sobre o assunto para ser coberta em tão pouco espaço e o leitor leigo pode ser tentado a fazer uma leitura dinâmica dessa parte. O que evita o desespero nesse capítulo são as ilustrações, bem aplicadas pelos autores.
O último capítulo do livro aborda a segunda revolução científica e revela uma tendência dos autores em favor da teoria do “projeto inteligente” da criação. Essa tendência, todavia, não se parece nem de perto com a tese defendida por William A. Dombski, em seu livro Inteligent design (Downers Grove: InterVarsity Press, 1999), através da qual ele reconhece um projeto inteligente na criação sem qualquer referência ao teísmo bíblico. No livro A alma da ciência, os autores utilizam as inúmeras informações encontradas nas pesquisas com o DNA como argumento apologético em prol da existência de Deus. Segundo os autores, A revolução do DNA confirma a convicção aristotélica de que a estrutura e o desenvolvimento orgânico podem ser atribuídos a um padrão ou plano interno inteligível – identificado, agora, como a mensagem codificada presente na molécula de DNA. Os criacionistas levam essa idéia ainda mais longe e argumentam que um padrão inteligível é prova de uma origem inteligente. A existência de moléculas que contêm informações tornou-se a base para uma nova versão da argumentação antiqüíssima em favor da criação propositada (p. 290). Dessa forma, a molécula se transformou em uma mensagem em prol da existência do Deus sábio e todo-poderoso. Concluindo, se o leitor estiver interessado em aprender mais sobre o desenvolvimento científico no Ocidente, bem como sobre os pressupostos filosóficos por detrás do mesmo, A alma da ciência é um livro excelente. Contudo, se estiver interessado em uma obra que procura reconciliar as complexas questões entre a fé cristã e a filosofia natural, ele provavelmente ficará decepcionado. O livro apresenta um excelente resumo das pressuposições científicas que têm desafiado os cristãos nos últimos 300 anos. A prática científica nunca ocorreu em um vácuo filosófico e religioso. Assim, os cristãos podem se manter firmes e não precisam se deixar intimidar por crerem na existência de uma realidade além dos “fatos cientificamente observáveis”.
Este livro auxilia não apenas os cristãos nos colégios e universidades, mas também os pais interessados em compreender melhor algumas falácias das reivindicações científicas, podendo com isso discipular os seus filhos com maior eficiência. Certamente ele deveria fazer parte da categoria de “livros de cabeceira”.