Jerusalém |
Em seu caminho para a saída, um súbito impulso o atingiu e o fez olhar em torno e observar as pessoas que saíam. Seus olhos lentamente examinaram a sinagoga. Haveria alguém que precisasse de um lugar para comer? "Quem é aquele que está sentado junto à parede lateral? Conheço quase todos, e não acredito que tenha estado antes aqui”.
Dan se aproximou do jovem de pele escura, que vestia roupa de brim, tinha uma mochila, e cabelo negro encaracolado — bem olhado, seria um rapazola sefaradí, talvez marroquino.
"Shabat Shalom. Meu nome é Dan Eisenblatt. Você gostaria de ir comer em minha casa esta noite?".
O rosto do jovem alterou-se um instante de um olhar preocupado para um sorriso.
"Sim, obrigado. Meu nome é Machi”.
Juntos saíram da sinagoga. Uns poucos minutos depois já estavam ao redor da mesa de Shabat de Dan.
Dan percebeu a inquietação de seu hóspede enquanto folheava um livreto de canções que estava sobre a mesa, procurando aparentemente algo e perguntou-lhe com um sorriso: "Encontrou alguma canção que você queira cantar? Posso ajudá-lo se você não tem certeza da melodia”.
O rosto do hóspede se iluminou. "Há uma canção que queria cantar, mas eu não a posso encontrar aqui. Queria realmente cantar o que cantamos na sinagoga esta noite. Como era? Algo que tinha 'dodi'".
Dan se deteve por um momento, a ponto de dizer: "não é cantado geralmente à mesa", mas se conteve.
"Se isso é o que o rapaz quer", pensou ele, "o que tem de mal?". Em voz alta disse, "Você se refere a Lechá Dodi. Espere, que vou trazer-lhe um sidur (livro de orações)".
Depois que eles cantaram Lechá Dodi, o jovem reassumiu seu silêncio até tomarem a sopa, quando Dan voltou a perguntar:
"O que desejaria cantar agora?". O hóspede o olhou envergonhado, mas depois de tomar um pouco de coragem disse firmemente: "queria realmente cantar Lechá Dodi outra vez".
Dan surpreendeu-se muito quando, depois do frango, perguntou ao seu hóspede sobre qual canção queria cantar e o jovem disse: "Lechá Dodi, por favor". Dan quase deixou escapar, "vamos cantá-la um pouco mais suave desta vez, os vizinhos pensarão que estou louco". Ele finalmente disse: "E não quer cantar outra coisa?".
Seu hóspede ruborizou-se e baixou o olhar. "Eu só quero cantar esta", disse ele entre os dentes. "Tem algo, não sei o que é....".
No total, eles devem ter cantado a canção oito ou nove vezes. Dan não estava certo — perdeu a conta. Dan, em seguida perguntou-lhe: "De onde é você?". O garoto, aflito, olhou fixamente até o chão e disse suavemente, "Ramallah".
Ramallah |
Dan estava certo de que tinha ouvido dizer "Ramallah," que é uma cidade árabe grande da Cisjordânia.
Logo se conteve, e pensou que ele devia ter dito Ramleh, uma cidade israelense.
Dan disse: "Ah, tenho um primo lá. Você conhece Efraim Warner? Ele mora Rua Herzl".
O jovem sacudiu a cabeça tristemente e respondeu: "Não há judeus em Ramallah".
Dan ofegou. Ele realmente tinha dito "Ramallah"! Seus pensamentos fluíam. Ele acabava de passar o Shabat com um árabe? Ele disse ao garoto, "perdão, estou um pouco confuso. E agora que penso nisso, nem lhe perguntei seu nome e sobrenome. Como você se chama, por favor?".
O rapaz pareceu nervoso por um momento, então encolheu os ombros e disse baixinho: "Mahmud Ibn Sharif".
Dan ficou mudo. O que ele poderia dizer? Mahmud rompeu o silêncio com indecisão: "Nasci e cresci em Ramallah. Fui ensinado a odiar os meus opressores judeus, e a pensar que matá-los era um ato heróico. Mas eu sempre tive minhas dúvidas. Quero dizer que fomos ensinados que a Sunna, a tradição, reza, 'nenhum de vocês é um crente até que ele deseje para seu irmão o mesmo que deseja para si próprio'.
E eu me perguntava: Acaso os yahud (judeus) não são pessoas também? Não têm eles o direito de viver o mesmo que nós? Supondo que devemos ser bons com todos, porque ninguém inclui os judeus nisso? "Fiz essas perguntas ao meu pai, e ele me pôs para fora de casa. Pensei em fugir e viver entre os yahud, até que pudesse averiguar como eram eles realmente. Voltei à minha casa esta noite, para buscar minhas coisas e minha mochila.
Minha mãe me pegou no meio dos meus preparativos para a partida. Eu lhe disse que queria ir viver com os judeus por um tempo para ver como são realmente e para isso talvez tivesse a necessidade de converter-me.
Ela empalidecia cada vez mais enquanto eu dizia tudo isto, e pensei que estava furiosa, mas não era isso. Alguma coisa mais a fazia sofrer e ela cochichou suavemente: 'Não tens que te converter. Você já é judeu'.
"Fiquei aturdido. Minha cabeça começou a girar, e por um momento não podia falar. Então balbuciei: 'O que você quer dizer?'”.
'No judaísmo', me disse ela, 'a religião vai conforme a mãe. Sou judia, o que significa que você também o é'.
"Eu nunca pensei que a minha mãe fosse judia”. Imagino que ela não quis que ninguém soubesse. Ela cochichou de novo: 'cometi um erro casando-me com um árabe. Em você, meu erro se redimirá'.
"Minha mãe sempre falava dessa maneira, com poesia. Ela foi e rebuscou alguns documentos antigos, e os entregou a mim; coisas como meu registro de nascimento e a sua velha carteira de identidade israelense, assim poderia demonstrar que era judeu. Eu os tenho aqui, mas não sei o que fazer com eles.
Minha mãe vacilou sobre um papel. Então, ela disse: “Leve este também. É uma fotografia antiga do meu avô que foi tirada quando foi visitar o túmulo de algum grande antepassado nosso”.
"Então viajei aqui para Israel. Trato de averiguar a quem pertenço".
Dan colocou suavemente a mão no ombro de Mahmud. Mahmud olhou para cima, espantado e otimista ao mesmo tempo. Dan perguntou: "Tens a foto aqui?".
O rosto do garoto se iluminou. "Claro! Sempre a trago comigo". Ele procurou em sua mochila e tirou a velha foto.
Quando Dan leu a inscrição da lápide, quase deixou cair a foto. Ele esfregou seus olhos para certificar-se. Não cabia dúvidas. Era um túmulo no antigo cemitério de Tzfat (Safed), e a inscrição a identificava como sendo a tumba do grande cabalista e tzadik (justo) rabino Shlomo Alkabetz.
A voz de Dan tremeu com entusiasmo quando explicou a Mahmud quem era seu antepassado. "Ele era um amigo do Arizal, um grande erudito da Torá, um tzadik, um místico. “E, Mahmud, seu antepassado escreveu essa canção que nós cantamos todos os Shabatot: (plural de Shabat – sábado) Lechá Dodi!"
Desta vez foi Mahmud quem ficou em choque. Dan estendeu a mão vibrante e disse-lhe: "Seja bem-vindo ao lar, Mahmud".
Post scriptum: Mahmud mudou seu nome e inscreveu-se numa yeshivá (escola religiosa) de Jerusalém, onde estudou diligentemente até obter sua educação judaica. Ele se casou com uma encantadora garota judia e ganhou popularidade como conferencista, recontando sua história dramática. Ele eventualmente teve que sair de Israel, devido a ameaças contra sua vida por membros de sua família árabe. A história está documentada no livro "Monsey, Kiryat Sefer, and Beyond," do escritor israelense Zev Roth (Targum Press, 2002). A história é verídica, mas os nomes foram trocados. O texto original em inglês pode ser lido em http://www.targum.com/store/Roth.html