domingo, 19 de julho de 2009

Romário e Mônica: Uma relação intensa desde o primeiro dia.


O depoimento de Mônica Santoro à jornalista Marluci Martins mostra o quanto foi conturbada a sua convivência com Romário, mesmo antes do casamento. Eis a versão romanceada dos dias de um casal que viveu entre o amor e o ódio.



Mônica era grande para seus 13 anos. Chamava a atenção dos caras do futebol quando seguia para as aulas de ginástica olímpica, em São Januário. A mãe, Lola, não desgrudava dela. Tinha um jogador em casa, o filho Marcelo, que era dos juvenis do Vasco, e, por isso, sabia bem como aqueles rapazes eram salientes.

Mesmo com os dois pés atrás, mesmo tendo orientado tanto a filha a não dar bola para jogador nenhum desse mundo, Lola aceitou levar a menina ao Baile do Almirante, atendendo ao convite que lhe fora feito dias antes justamente por um dos simpáticos rapazes do futebol, Romário, que, de dentro do ônibus, saindo da concentração para algum jogo, enfiou a cara na janela e chamou-as para o evento carnavalesco.

De blusinha e saia branca até o joelho, Mônica chegou ao baile com a mãe a tiracolo. Romário estava com o inseparável amigo Geovani, curtindo as marchinhas e, talvez, olhando as mulheres bem menos comportadas, de fantasias minúsculas. Os quatro já formavam um grupo, quando Lola começou a descuidar-se da marcação. Caiu na conversa de Geovani, e, perdida no salão, nem viu quando a filha saiu com Romário.

Foram tomar ar fresco na arquibancada à beira do gramado e descansar os ouvidos, a ponto de serem estourados pelos músicos contratados.

“Acho que minha mãe tem uma câmera em cima da gente”, desculpou-se a menina, já caidinha pelo rapaz de bermuda, camiseta e tênis.

Mesmo dali, era possível escutar as marchinhas do baile. A música não parou quando Romário alisou respeitosamente a mão de Mônica. Nenhum confete viu, nenhuma serpentina testemunhou, nenhum folião imaginou que havia vida fora do ginásio. E nem o casal, já sufocado na fantasia do primeiro beijo, lembrava àquela altura que era carnaval.

“Você ficou vermelha... A partir de hoje, vou te chamar de Rosinha”.


Passaram a se ver com frequência, mas brigavam muito. Romário levava Mônica para churrascarias na Ilha do Governador e Jacarepaguá. Ou rodavam por seu bairro, Vila da Penha. De vez em quando, davam um tempo longo, mas acabavam ‘ficando’ de novo quando se esbarravam num encontro casual.

****

Entre tantas idas e vindas, Romário passou a frequentar o apartamento dúplex dos pais de Mônica, na Praia do Flamengo. Lola determinou o seguinte: o filho, Marcelo, dividiria seu quarto com o hóspede, e ela dormiria na sala para evitar que os namoradinhos caíssem na tentação de pular a cerca naquele lar tão familiar.


Certo dia, o namoro estava esquentando num dos cômodos do apartamento, quando o cachorro King, cocker-spaniel de estimação, deu o sinal. O barulho de suas patinhas, nos escorregadios degraus de mármore, funcionaram como a senha de que estava seguindo alguém que se aproximava dali. Era hora de encerrar a seção de beijos e carícias e, num forçado improviso, puxar o primeiro assunto que viesse à cabeça.Foi assim que King ganhou a simpatia. Era visto como um aliado sempre em guarda, um eficiente alarme anti-sogra, único cachorro do mundo a se aproximar de Romário depois que dois vira-latas e um pequinês atacaram-no, na casa da avó, no Jacarezinho.


Tinha sete anos e tomou 40 injeções na barriga.“Tira esse cachorro daqui”, pedia Romário, assim que o intruso se afastava e a lembrança trágica da infância vinha à cabeça, fazendo com que King, de melhor amigo do homem, se transformasse na pior das bestas-feras que nem a mais rica imaginação é capaz de construir.

****

King não falhou nenhuma vez e, assim, entre beijos e amassos escondidos, Romário ganhou a confiança da família de Mônica. Um ano depois do primeiro beijo no Baile do Almirante, ele finalmente podia ser um agregado nas viagens para a Fazenda da Grama, pra lá de Arrozal, propriedade da tia Emilinha, irmã de Lola. De férias no Vasco, foi numa dessas viagens que convidou Mônica para explorar uma igreja abandonada na região.

“Ah, Neném... Eu morro de medo. Parece mal-assombrada”, respondeu a moça, com cara de espanto.Bom de papo, Romário convenceu a namorada a fazer a caminhada até a misteriosa igreja. Trêmula no início do percurso, Mônica foi perdendo o medo a cada passo firme do intrépido acompanhante.

Chegaram e testemunharam que o silêncio perturbador poderia ser quebrado pela respiração de um mosquito que se aventurasse a bater asas naquele lugar tão sinistro.

“Vamos entrar”, disse um ousado Romário, puxando Mônica pelo braço de forma que não tivesse tempo para pensar duas vezes.Subiram até uma janela com os cacos de um vitral que há muito não existia.

“Olha, daqui a gente pode ver se alguém se aproxima”, justificou Romário, com as segundas intenções de quem já não aguentava ter a vida amorosa ditada pelas patinhas barulhentas do cachorro King. Abraçou Mônica de forma que aquela primeira vez fosse testemunhada somente pelo enorme sino calado pelo tempo. A menina da ginástica olímpica virava mulher em seus braços.

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“Não quero falar com você nunca mais”, disse Mônica, batendo o telefone na cara de Romário, numa das muitas brigas que teriam naquele ano de 1987.As picuinhas eram tão comuns quanto os beijos que trocavam.

Por isso, Mônica nem se incomodou com mais um fim de namoro, certa de que a separação estava com os dias contados.

O telefone tocou e, claro, não era Romário. Do outro lado da linha, a voz feminina foi logo reconhecida:“Oi, Joana”.“Oi, Mônica. Tudo bem? Está livre? Liguei pra te convidar para uma festa de aniversário”.A amiga Joana, filha do jornalista, compositor e escritor Nelson Motta, era ótima companhia nos dias de solidão e dor-de-cotovelo.

Mônica aceitou o convite e foram à festa, sob a tutela de dona Eliane, mãe de Joana. O relógio já marcava duas horas, quando voltavam pra casa pela Avenida Atlântica, fascinadas pelas luzes dos prédios colorindo a madrugada escura e o cheiro gelado de maresia invadindo a alma.

Mônica olhou para o lado e, se a intenção era apreciar a paisagem, o que viu foi Copacabana arder do jeito que deve ser o inferno.“Olha lá!!!!! É o carro do Romário!!!!”, gritou, esganiçada, anunciando um ataque de piti iminente.“Emparelhaaaaaa!!!! Emparelha o carrooooo”, continuou, aos berros, sendo atendida pela mãe da amiga, que pisou fundo o acelerador sob o risco de ter o tímpano direito estourado por uma moça enlouquecida.“Olha lá! Tem uma mulher no carro dele!”, anunciou Mônica, vendo o rosto redondo de uma morena forte, de cabelo enroladinho, sentada no banco do carona.Quando percebeu que havia um carro insistentemente do seu lado, Romário viu que nele estava a namorada, ex, ou o que fosse, a fulminá-lo com o olhar raivoso.

Mônica balançou a cabeça numa afirmativa sem sentido, mordendo o canto do lábio inferior.“Aceleraaaaa!!!! Vamos, aceleraaaa!!!”, gritou mais uma vez, fazendo a mãe da amiga novamente pisar no acelerador como nunca fizera na vida.E pôs-se a chorar, deduzindo que o namorado, ex, ou o que fosse, tinha estado com a morena de rosto redondo numa boate no Arpoador, enquanto ela curava a dor-de-cotovelo numa inocente festa de aniversário.Por mais que a mãe da amiga se esforçasse para acelerar o carro a fim de deixar Mônica no Flamengo e, assim, acabar com seu tormento e aventura, o Escort vinho conversível de Romário não saía de seu retrovisor.

Dona Eliane já não sabia se queria se livrar de Romário ou de Mônica. Talvez, dos dois.Mas, quanto mais acelerava, mais o Escort vinho encostava em seu pára-choque traseiro.A perseguição só terminou na Praia do Flamengo, em frente ao edifício de Mônica. O carro nem estava parado ainda quando a esgoelada empurrou a porta, com toda força do mundo, e, sem se despedir, correu para o portão do prédio.“Abre, seu Narcisooooo! Abre logoooo!”, gritou, apertando a campainha no formato de leãozinho e acordando o vigia do prédio, que chegou a temer por um assalto à moradora.Romário largou o Escort de qualquer jeito, rente ao meio-fio, e estava quase alcançando Mônica, que se desvencilhou a tempo de bater o portão no dedo de seu perseguidor.“Aaaiiii!!!! Abre, seu Narciso!”, ordenou Romário, apertando o dedo parcialmente esmagado.“Não abreee”, gritou Mônica, correndo.Enquanto o vigia decidia que ordem respeitar, Romário conseguiu entrar e, quando alcançou Mônica, ela já estava na porta do apartamento, fazendo um escândalo na frente do pai, seu Adílson.“Tá maluca, menina? Que gritaria é essa?”, perguntou o pai durão que, antes de ouvir qualquer explicação, já deu um tapa na bunda da filha, mais para fazê-la voltar ao estado normal de qualquer ser humano do que para repreendê-la.

“Não quero mais ver esse homem”, continuou Mônica.“Seu Adílson, é que ela me viu no carro dando carona para a namorada de um amigo meu que é casado”, explicou Romário, como se fosse possível fazer de seu Adílson um aliado.

Quando Mônica, enfim, parou de gritar, foi possível ouvir outra voz feminina:“Gatinhaaaaa... Deixa eu falar com você”.Era a acompanhante de Romário, esquecida dentro do Escort mal estacionado, mas ainda assim disposta a promover a união entre o casal.

Mas Mônica permaneceu no quarto, chorando de dar dó, e escrevendo sem parar num caderninho que era seu confidente em brigas como aquela. Havia poucas páginas, mas suficientes para mais um desabafo.

****
Quando Romário fez o primeiro gol após aquela confusão, o rádio da família de Mônica estava ligado:“Pra quem você oferece esse gol, Romário?”, perguntou o repórter.“Para minha namorada, Mônica”, respondeu o Neném.E voltaram.

E ficaram noivos no ano seguinte, no Aeroporto, botando alianças minutos antes do embarque de Romário para a Olimpíada de Seul.

E brigaram por telefone quando Romário lá de longe ligou para Mônica:“Oi, Rosinha. Tudo bem?”“Tudo, Neném. Tá com a aliança no dedo?”

“Claro, Rosinha”.“Então, bate com ela no telefone pra eu ouvir, Neném”.“Toc-toc-toc. Viu, Rosinha? E você? Tá de aliança?”“Toc-toc-toc... Ouviu, Neném?”“Ouvi, Rosinha.

Vai ficar em casa hoje?”“Ah, Neném... Acho que vou sair”.“Pô, Mônica. Quer dizer que eu tô aqui ralando e você vai sair por aí?”“E o que é que tem, Romário?”“O que é que tem??? Tá bom. Vou desligar, valeu?”



E brigaram...

POR MARLUCI MARTINS, RIO DE JANEIRO

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